Introdução
Historicamente, os alunos ingressantes no ensino superior nas áreas de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias encontram as mesmas dificuldades nas disciplinas iniciais de seus cursos. Essas dificuldades concentram-se principalmente nas disciplinas iniciais de Cálculo, Física e Química Geral. A reprovação repetida em uma ou várias dessas disciplinas é um fator de evasão facilmente detectável (Vieira, 1991).
Estudos sobre evasão realizados até o momento permitem afirmar que esse fenômeno dá-se principalmente devido às dificuldades que a maioria dos ingressantes no ensino superior destas áreas enfrentam em relação ao ensino deficitário das matérias de exatas nos níveis escolares que antecedem o ensino superior. São essas disciplinas que mais sofrem com a falta de professores, no ensino público principalmente (Almeida e Veloso, 2002).
Outro fator importante a ser mencionado é que disciplinas básicas dos cursos de ciências exatas, tais como Química, Física e Matemática, são ministradas de forma tradicional ainda, deixando lacunas na aprendizagem destes alunos e acarretando muitas deficiências futuras. Essas constatações puderam ser comprovadas no trabalho realizado por Cunha, em 2001, onde foi realizado um estudo que buscava a compreensão da evasão do curso de Química na Universidade Federal de Brasília (UnB). Para a amostra de alunos evadidos entrevistados com relação ao rendimento acadêmico apresentado foi demonstrado que, durante o tempo em que permaneceram vinculados ao curso de Química, os históricos escolares evidenciavam duas situações: a do acompanhamento regular ao curso com menções médias e superiores nas disciplinas aprovadas, ou a situação nitidamente identificada como problemática e irregular, isto é, com reprovações recorrentes nas mesmas disciplinas (frequentemente em Cálculo 1 e 2, Física 1 e Física Experimental, Química Inorgânica e Química Fundamental, Química Fundamental Experimental e Físico-Química, para citar algumas) e com trancamentos constantes para diferentes disciplinas ou o abandono de outras.
No estudo realizado no Brasil por Almeida e Veloso, em 2002, em alguns casos o baixo desempenho no ensino médio reflete no desempenho nas primeiras disciplinas do curso superior, resultando em abandono do curso, pelas reprovações consecutivas em disciplinas dos primeiros semestres. Segundo Soares (2002), atualmente o sistema de ensino superior vem apresentando um dinamismo importante, com aumento da demanda referente ao crescente número de egressos do ensino médio.
Estudos têm sido realizados com o objetivo de refletir sobre as desigualdades vivenciadas pelos alunos ingressantes no ensino superior e oriundos de camadas populares (Neves et al., 2007; Catani et al., 2006, entre outros). Frente a esse atual panorama, ficamos com o seguinte questionamento: o processo de democratização do acesso ao ensino superior tem assegurado efetiva equidade nesse nível de ensino? Uma pesquisa realizada por Zago (2006) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no período entre 2001 e 2003, identificou um número bastante significativo de universitários oriundos de famílias de baixo poder aquisitivo e com reduzido capital cultural. Esse estudo permitiu perceber que as diferenças dos “excluídos” são construídas durante toda a vida escolar dos mesmos. A ideia de ensino superior para estudantes de camadas médias intelectualizadas é evidente e um acontecimento natural, enquanto que para os estudantes entrevistados essa “naturalidade” está focada no ensino fundamental e às vezes no ensino médio, evidenciando inclusive pouca informação a respeito do “sistema vestibular, os cursos e as instituições que os oferecem” (Zago, 2006, p. 230).
Atualmente a situação é mais preocupante nas IES (Instituições de Ensino Superior): os dados mais recentes do Censo do Ensino Superior divulgados pelo Ministério da Educação em dezembro de 2013 mostram que de 2008 para 2009, um total de 896.455 estudantes abandonaram a universidade, o que representa uma média de 20,9% do universo de alunos. Nas instituições públicas, 114.173 estudantes (10,5%) abandonaram os cursos. Nas particulares, um total de 782.282 alunos (24,5% dos estudantes) evadiram, segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, órgão ligado ao Ministério da Educação).
Assim sendo, a implementação de políticas educacionais que relativizem o princípio liberal do mérito, levando em conta o acesso ao conhecimento que de alguma forma não foi construído no período da vida escolar torna-se necessária para que possa ocorrer a democratização efetiva do saber.
Uma tentativa de minimizar este problema foi criada pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da Universidade de São Paulo, o programa “Universidade e as Profissões” que, por meio de um catálogo com a descrição dos cursos oferecidos pela USP, objetiva fornecer subsídios aos estudantes para que, com a ajuda de seus familiares e professores, orientem-se na importante tarefa de optar por uma carreira profissional.
Além do catálogo, o programa compreende um calendário visitas de alunos do ensino médio à USP e também às feiras de profissões organizadas uma vez por ano, no campus da capital e também em um dos campi do interior. Durante as visitas às unidades de ensino ou aos standes das feiras, os alunos podem conhecer de perto os cursos de graduação oferecidos, podendo tirar suas dúvidas a respeito das profissões, do mercado de trabalho e do vestibular.
Pensando na questão da adaptação ao novo ambiente e para minimizar as questões de adaptação, em 2004, o Instituto de Química de São Carlos criou a disciplina Acompanhamento Profissional e Pessoal, oferecida no primeiro semestre do curso, na qual os ingressantes são divididos em grupos de no máximo 10 estudantes, sob responsabilidade de um docente tutor. O docente tutor tem como uma de suas principais funções auxiliar os estudantes no planejamento de suas atividades acadêmicas, como a escolha das disciplinas da matriz curricular, o planejamento de horários de estudos e a orientação na resolução de problemas que venham encontrar.
A Universidade Federal de Minas Gerais, por exemplo, adotou há mais de 15 anos uma política que redistribui vagas ociosas e garante que 99% dos estudantes sejam diplomados. Para tanto, foi rigorosa nos critérios de permanência dos alunos na graduação, onde o lema tem sido ocupar as vagas com consciência. Nessa IES, o aluno é excluído do quadro discente quando deixar de fazer sua matrícula, cuja renovação é obrigatória a cada semestre letivo; quando estiver infrequente em todas as disciplinas no mesmo semestre; quando não alcançar o desempenho mínimo estabelecido pelo curso num terceiro período letivo, consecutivo ou não; e também na situação em que ultrapassar o tempo máximo previsto para a integralização do curso.
Visando erradicar a evasão, o Governo Federal criou o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI, 2008), instituído pelo Decreto nº 6.096 de 24 de abril de 2007, que é uma das ações integrantes do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) em reconhecimento ao papel estratégico das universidades federais para o desenvolvimento econômico e social do país. Seus principais objetivos foram: garantir às universidades as condições necessárias para a ampliação do acesso e permanência na educação superior; assegurar a qualidade por meio de inovações acadêmicas; promover a articulação entre os diferentes níveis de ensino, integrando a graduação, a pós-graduação, a educação básica e a educação profissional e tecnológica, e otimizar o aproveitamento dos recursos humanos e da infraestrutura das instituições federais de educação superior.
O Programa Reuni também elencou como principais metas: a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90%; a elevação gradual da relação aluno/professor para 18 alunos para 1 professor; o aumento mínimo de 20% nas matrículas de graduação e o prazo de cinco anos, a partir de 2007 – ano de início do Programa – para o cumprimento das metas (REUNI, 2008).